COOP - A cooperativa e os prédios do Bairro da COOP. Arq. Jorge Gonçalves Valente

Muitos dados nesta mensagem são baseados na comunicação de 2013 de NIKOLAI BRANDES que analisou a ideologia e práctica cooperativa da COOP para além das construções - detalhes no fim da mensagem em (1).
A Sociedade de Moçambique para o Fomento da Construção de Casas (COOP) foi fundada em 1951 pelo Dr. José Caetano Oliveira Nunes que foi o seu dirigente máximo até pelos menos 1974. A COOP foi construindo pequenos conjuntos de casas em várias partes da cidade mas o seu objectivo era o estabelecer um bairro autónomo. Conseguiu-o no chamado Bairro da COOP, um bairro urbano actualmente para cerca de 8 mil pessoas situado em torno do cruzamento das Avs. N.S. de Fátima (actual Kaunda) e Augusto Castilho (actual Lenine) onde se forma a praça agora da OMM. O bairro assentou numa zona periférica da cidade que esteve desabitada até ao início dos anos 60 e que ficava na direcção Sul - Norte entre o dito "cimento" e o subúrbio e na direcção Leste – Oeste entre o bairro selecto da Sommerschield e o bairro popular da Malhangalene.
Neste artigo vamos ver principalmente a parte sul do Bairro da COOP (para sul da actual Av. Kaunda) e os seus prédios. Esta parte sul é dominada por quatro prédios de doze andares ao longo da Av. Castilho (Lenine) que foram os primeiros a ser construidos e cinco prédios de dez andares ao longo da Av. Nossa Senhora de Fátima (Kaunda). Todos foram projectados pelo arquitecto da COOP Jorge Gonçalves Valente e eram conhecidos por PH (Propriedade Horizontal). 

FOTO 1 - vista para sudeste
à direita, para sul da avenida: Os prédios da COOP da Av. N.S. de Fátima, 
actual Kaunda. Vê-se os quatro mais para leste dum total de cinco. 

FOTO 2 - vista para sul
à esquerda, para leste da avenida: Os prédios da COOP 
da Av. Augusto Castilho, actual Lenine que para o fundo segue para a Baixa.

Na FOTO 3 temos uma vista da cidade para poente no início dos anos 70. Em primeiro plano o Hospital Militar e depois da rua transversal temos o Bairro da Coop:

FOTO 3
Rosa: os quatro prédios de 12 andares da COOP da 
Verde: Av. Augusto Castilho, actual Lenine
--
Vermelho: os cinco prédios de 10 andares da COOP da 
Laranja: Avenida N.S. de Fátima, actual Kaunda

Conforme se pode ver na FOTO 3 os prédios não estão colocados paralelamente às avenidas mas em "espinha" de digamos 40 graus. As moradias que se vêm no espaço entre os prédios "rosa" e "vermelho" serão analizadas noutras mensagens  (aqui e provávelmente aqui).

FOTOS 4a e 4b


Vista próxima dos prédios de 10 andares da Av. N.S. de Fátima, actual Kaunda

FOTOS 5a e 5b
Placas do Propriedade Horizontal 4. Parece ser dos prédios 
marcados a vermelho na FOTO 3, o terceiro a contar do Hospital Militar

E estes prédios apareceram aqui porque um mágico fez clique com os dedos? Óbviamente que não pois manás é só no paraíso ... Numa cooperativa todos os sócios contribuem para um objectivo comum. Como a COOP construía ela própria, procurava métodos mais económicos e não tinha como objectivo o lucro, em princípio os custos para os sócios eram menores do que se um empreiteiro resolvesse construir estes prédios. Mas como o dinheiro das contribuições para a cooperativa não chega para fazer casas logo para todos (as cooperativas não foram feitas para ricos que podem comprar o que quiserem directamente e não estariam interessados nestes bens) normalmente as cooperativas vão fazendo sorteios para distribuir as casas à medida que as conseguem construir. Mas todos os cooperantes têm de continuar a contribuir até que chegue a vez de todos terem casa. Por isso estes prédios foram financiados pelos cooperantes (os que tiveram logo as casas e os que esperavam vir a ter as que fossem construídas no futuro) e pelos depósitos no Mealheiro Cooperativo (instituição bancária criada pela COOP em 1955) que tinham de ser repostos pelos pagamentos dos cooperantes ao longo do tempo.  (ver umas contas de merceeiro em baixo sobre os números da COOP)
Em baixo está o anúncio da COOP em 1971 sobre a construção planeada de mais 6 torres de 20 andares no lado poente da Avenida Augusto Castilho (actual Lenine) e quais eram as condições de pagamento.
Planos da COOP em 1971 para mais 600 habitações
Roxo: Seis novos prédios na
Verde: Avenida Augusto Castilho, actual Lenine

Laranja: Avenida N.S. de Fátima, actual Kaunda

Sabemos agora que estes planos não se concretizaram. Ainda se juntou mais um prédio de 10 andares aos quatro da  Avenida N.S. de Fátima, actual Kaunda colocando-o mesmo junto à praça (actual OMM) como se pode ver na FOTO 3. A população máxima planeada em 1974 para o Bairro se todos os planos da altura fossem avante era de cerca de 8 400 pessoas, mas depois aí tudo parou. 

Depois da independência de Moçambique a COOP foi administrada pelo governo mas como entidade ainda autónoma (no fim de contas os ideais e alguns fundadores da COOP eram ideológicamente socialistas) mas a certo ponto parece que os títulos de propriedade antigos foram anulados, o sonho dos cooperantes transformou-se em pesadelo e para se livrarem dele ainda devem ter tido trabalhos. Mas se uns ficaram a chorar outros ficaram a rir e o mundo avança.

(1) ACTAS DO CONGRESSO INTERNACIONAL SABER TROPICAL EM MOÇAMBIQUE: HISTÓRIA, MEMÓRIA E CIÊNCIA - ‘A SOCIETY IN WHICH IT IS WORTH HAVING A PLACE.’ MODERNISATION THROUGH COOPERATIVISM IN LOURENÇO MARQUES’ LATE COLONIAL BAIRRO DA COOP.


Contas do Curioso sobre a COOP nos anos finais
Em 1968 a COOP tinha cerca de 4 500 sócios efectivos (eram os que só queriam ter casa, outros podiam querer só usar outros serviços cooperativos) o que suponho com mais uma parte dos seus empregados e depositantes no Mealheiro Cooparativo dava os 5 480 pretendentes a casa mencionados por NIKOLAI BRANDES para 1968. Em 1968 cerca de 2 500 pessoas viviam no Bairro da COOP o que à média de 4 pessoas por casa correspondia a 625 casas no Bairro. Se a COOP tivesse mais umas 175 casas no resto da cidade e se tivesse metade deste total de LM noutras cidades de Moçambique teria no total 1 200 casas. Quer dizer em 1968 a COOP tinha falta de cerca de 4 300 casas em 1968. Os planos de desenvolvimento máximo da COOP cerca de 1974 para este Bairro foram de 8 400 pessoas  o que à mesma média de 4 pessoas  por casa corresponderia a cerca de 2 100 casas* que mesmo com outras em LM e no resto de Moçambique seria pouco. para as 5 480 que já eram eram pretendidas em 1968. Assim se pode imaginar que a COOP teria de construir muito mais do que tinha planeado em 1974 para responder aos seus membros de 1968 e que mesmo que alguns desses tivessem recebido casas entretanto (não sei de quando são estes prédios) a entrada de novos cooperantes a partir de 1968 deve ter sido maior do que as casas que foram atribuídas. 

No anúncio de 1971 estão também explicadas as possibilidades de ter um desses apartamentos com uma entrada inicial e depois pagamentos periódicos até pagar o custo do apartamento. Mas não fala de sorteio (método confirmadamente usado pela COOP no início) pelo que dá ideia que a partir de certa altura a COOP deve ter decidido exigir entradas mais altas e seleccionar económicamente quem iria ter casa rápidamente ou quem continuaria à espera (estas 600 casas já estavam incluidas nas cerca de 2 100 máximas referidas acima como planeadas para este Bairro e que segundo explico me parece não seriam suficientes para os que já eram cooperantes). Esta modalidade de cooperação também se deve ter tornado possível pois como diz NIKOLAI BRANDES a COOP a certa altura passou a obter financiamento bancário (para lá do seu Mealheiro Cooperativo) e podia assim complementar a contribuição dos sócios e avançar com o investimento nos prédios para os sócios mais robustos financeiramente (do ponto de vista dos bancos financiadores). 

* NIKOLAI BRANDES diz que o Bairro tem 8 000 pessoas mas talvez tenha agora mais de 4 habitantes por casa e por isso não se sabe quantas casas tem/teve para se comparar com as cerca de 2 100 casas que se pode estimar terão estado previstas (ao estimar-se que haveria 4 pessoas por casa para as 8 400 pessoas máximas previstas em 1974). Também se tem de ter em conta que se não foram feitas as 600 habitacões previstas em 1971 foi ainda feito mais um prédio depois de 1971 que acrescentou talvez umas 80 habitações às que havia antes. Isto tudo confunde as contas mas mais coisa menos coisa fico com a ideia que a COOP ao falar no anúncio de 1971 de atribuir casas sem sorteio já estava a ser pouco "cooperativa".

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