Cemitério Velho de Lourenço Marques - São Timóteo

Depois de num artigo anterior ter tratado principalmente do cemitério de S. Francisco Xavier de Lourenço Marques (LM), actual Maputo vamos aqui falar do primeiro cemitério oficial da cidade, o Cemitério Velho (CV) que segundo o autor Alfredo Pereira de Lima (APL) escreve no livro "Lourenço Marques" (edição Aletheia, pág. 45) se chamava de São Timóteo. 
Primeiro uma foto reproduzida da revista Branco e Negro datada de Maio de 1897 e disponibilizada pela Hemeroteca Digital de Lisboa.

FOTO 1
Cemitério de LM (cerca de 1897)

Vê-se uma capela mortuária, que parece ter uma cruz sobre a entrada do lado à vista e que deveria ter também uma sala para arrumos e umas poucas cabeceiras de campas. A maior parte das sepulturas estava só assinalada por uma cruz, presumo que estivessem dispostas regularmente mas não era evidente a existência entre elas de caminhos demarcados. 
Ao fundo da foto nota-se uma faixa de água, para a sua esquerda em parte seria a enseada da Maxaquene e para a sua direita e para o fundo estaria a margem sul do estuário próxima da Ponta Mahone, pelo que esta foto terá sido tirada para Sudeste (SE). 
Embora não seja muito claro parece-me que para lá da capela e do seu lado direito se vê que a sebe que limitava o cemitério formava aí o seu canto a SE. Nesse caso a Baixa da cidade estaria para a direita da foto. Coincidência ou não, nesse caso a frente da capela estaria aproximadamente na direcção da frente da Igreja Paroquial o que não obedeceria ao princípio (de resto pouco seguido) de que as igrejas teriam o altar virado para leste
Poderemos fazer melhor ideia da localização do CV e da possível orientação da sua FOTO 1 e da forma como ele se formou com as imagens seguintes. O mapa de 1925/26 mostra o CV um tanto desenquadrado das avenidas em redor e inserido totalmente no interior dum quarteirão, o que se explicará pelo facto do CV ter nascido antes da definição do plano da cidade em retícula. 
Note-se ainda que em 1925/26 a Av. Fernão de Magalhães a sul nesse quarteirão estava só em plano pelo que ao tempo da FOTO 1 a primeira rua que apareceria para a sua direita seria a da Electricidade que vemos aqui em tempos recentes. Um pouco mais para sul e marcada no mapa com DBDC estava a central geradora eléctrica, que por acaso foi construida no ano da FOTO 1. Essa central estava já em zona plana e que ficava na margem norte do (que tinha sido o) pântano que rodeava a "ilha" inicial onde nasceu o burgo de LM ("ilha" que corresponde à faixa central da Baixa actual).

Mapa de 1925/26
Azul: Cemitério Velho (CV) de São Timóteo
Seta vermelha: suponho seja a orientação aproximada de como a FOTO 1 foi tirada
 (seta apontando para o fundo, para lá do lado direito da capela)
Amarelo: Av 5 de Outubro, actual Josina
Verde: Av Manuel de Arriaga, actual Marx
Rosa: Av. Fernão de Magalhães (ainda só planeada, a sul desse quarteirão)
Carmesim: Rua da Electricidade
Preto: central geradora eléctrica

Vejamos agora duas fotos aéreas dessa zona da cidade nos anos 50 e que foram tiradas de ângulos quase perpendiculares. como se pode ver pela posição em ambas do edifício da Câmara / Conselho Municipal.

FOTO 2
Amarelo: Av 5 de Outubro, actual Josina
Verde: Av Manuel de Arriaga, actual Marx
Azul: terreno do antigo cemitério ainda livre no interior dum quarteirão urbanisado.
Seta vermelha: suponho seja a orientação e sentido aproximados 
de como a FOTO 1 foi tirada
Rosa: Av. Fernão de Magalhães (aberta a sul desse quarteirão)
Carmesim: Rua da Electricidade
Preto: central geradora eléctrica
Púrpura: fachada virada a oeste da Câmara / Conselho Municipal
Castanho escuro: prédio Negrão

E a outra foto da zona na mesma época, tirada uns 90 graus mais para noroeste do que a anterior:

FOTO 3

Vista para leste com mesma legenda da FOTO 2 
para o que é comum 

Na zona do CV a subida da Baixa para a alta da cidade (para o canto superior esquerdo na FOTO 2 e para a esquerda = norte na FOTO 3) começava por onde passa a avenida "rosa", quer dizer a parte sul do CV ficava pouco acima do nível da Baixa.  
Entre a parte mais elevada = a norte donde esteve o CV e actual Av Josina da marca "verde" fica o túmulo de Louis Trichardt/Tregardt erguido no local onde ele e seus companheiros foram sepultados em 1838 no término duma das peripécias mais dramáticas do Grande Trek Boer. Presumo então que essa zona tenha sido dedicada a cemitério de europeus desde essa época longínqua, o que teria a vantagem de ficar separada do burgo pelo pântano mas a curta distância dele.  
A posição do CV estaria também relacionada com a do primeiro Hospital construído cerca de 1879/80 e com a da Igreja Paroquial católica que foi inaugurada em Julho de 1883. Estes dois edifícios estavam-lhe relativamente próximos, a uns 2 a 3 quarteirões de distância (e um pouco mais elevados na encosta). Se ainda existissem nos anos 50 apareceriam na horizontal para a direita da Câmara na FOTO 2 (a localização actual desse Hospital é explicada aqui). 
A velha colona Emily Fernandes da Piedade no depoimento que fez em 1907 ao jornal LM Guardian referiu que quando chegou a LM em 1866 havia um monte de areia no local onde foi depois a firma de Allen Wack (por esta zona, onde mais tarde foi erguido o "prédio da "Shell") no qual apareciam ossadas humanas. Teria então havido por aí, do lado leste da "ilha" inicial, um cemitério anterior ao de São Timóteo mas das palavras de Emily não ficava claro se teria sido de europeus ou de nativos.
Voltando ao Cemitério Velho (CV) de São Timóteo, quando a encosta para a parte alta começou a ser ocupada por habitações e comércios o CV ficou envolvido por elas, mas pelo que se vê em redor dele na FOTO 1 de c. de 1897 parece que tal ainda não acontecia por essa época. No que respeita ao interior do CV, na FOTO 1 vê-se bastantes campas mas é difícil, só por aí, dizer-se se ele estaria totalmente ocupado ou não. Mas certo é que, pelo motivo urbanístico ou devido ao seu grau de ocupação, para o final do século XIX foi criado um novo cemitério que foi chamado de S. Francisco Xavier. Este foi colocado ladeando a oeste a mesma avenida "vertical" que passava a leste do CV (a actual Av. Marx) só que uns cinco quarteirões mais para norte, num ponto onde a encosta termina e dá lugar a um planalto. 
O já mencionado autor APL escreveu que o CV foi usado até 1887 e se tal se confirmar (não sei quais foram as suas fontes) ao tempo da FOTO 1 haveria já cerca de dez anos que não teria havido novos enterros no CV. Tentando confirmar essa informação de APL é de referir que na planta / plano do Major Araújo elaborado inicialmente em 1887 está indicado um cemitério para a posição do S. Francisco Xavier, mas fica-se sem saber se esse novo cemitério existiria já em 1887 o que a ser verdade corroboraria de certo modo o que APL escreveu (os enterros tinham de ser feitos e se não fosse no CV teria de ser no seguinte). Mas se o novo cemitério estivesse aí únicamente planeado então o CV teria continuado a ser usado depois de 1887 o que contraria APL.
APL refere ainda que os restos mortais dos pioneiros da cidade sepultados no CV foram transladados para um sarcófago colocado noutro cemitério, o posterior ao S. Francisco Xavier. Esse terceiro cemitério da cidade, por isso depois do de São Timóteo e do de SF Xavier, foi chamado de S. José e foi construído no século XX no subúrbio de Lhanguene. É dele e relaciona-se com esse assunto a foto seguinte reproduzida com a devida vénia do FB das obras de APL:

FOTO 4 
Grande sarcófago no cemitério de Lhanguene com ossadas do CV

Penso que esta foto de O Ilustrado de Dezembro de 1933 se refere à transladação para esse sarcófado, mas não sei qual dos três cemitérios aqui referidos e potencialmente envolvidos é mostrado:

FOTO 5
Transladação das ossadas dos pioneiros em Novembro de 1933

Daqui poder-se-á concluir que no máximo em 1933 tinham sido levantadas as sepulturas do CV de S. Timóteo. Mas como os restos mortais podem ter ficado entretanto guardados, por exemplo no cemitério de SF Xavie, fica-se sem saber quando é que o levantamento do CV  realmente aconteceu.  
Tomando 1933 como limite máximo, nas FOTOS 2 e 3 dos anos 50 podemos constatar que passados uns 20 anos o terreno do ex-CV ainda não tinha sido afectado a outro uso. Não sei se tal terá acontecido por questões relacionadas com a sua propriedade ou por aspectos religiosos / psicológicos ou sanitários. Todavia a partir dos anos 60 começaram a surgir  construções nesse terreno parte das quais aparecem na foto seguinte, a mais recente das dessa zona neste artigo (foto original de www.sulafrica.blogspot.com):

FOTO 6
Amarelo: antiga Av 5 de Outubro, actual Josina
Verde: antiga Av Manuel de Arriaga, actual Marx
Azul: espaço aproximadamente correspondente ao CV, no interior do quarteirão
Roxo: limites do monumento / t
úmulo de Louis Trichardt
Seta vermelha: orientação e sentido estimados de como a FOTO 1 foi tirada

Para se completar este tema pode ver-se um filme da RTP mostrando os dois cemitérios da cidade existentes em 1961 e no qual a partir do minuto 1:40 aparece, no de S. José de Lhanguene, o acima referido sarcófago dos pioneiros da cidade originalmente sepultados no cemitério de S. Timóteo.

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